Uma Conversa Entre Amigos

Explore a jornada de João e José, uma amizade que enfrenta desafios e destaca como a comunicação pode construir pontes ou erguer barreiras nas relações.

CONVERSA HUMANIZADA

Alessandro Lima

6 min read

uma conversa entre amigos
uma conversa entre amigos

João e José se conhecerem na infância quando se tornaram vizinhos. Na escola sempre estiveram juntos realizando atividades em grupo, na rua as brincadeiras eram comuns sempre com a participação dos dois, nos finais de semana divertiam-se em jogos coletivos onde as habilidades se complementavam.

Na adolescência eles estiveram nas melhores e piores baladas, trocavam ideias sobre os livros que os faziam viajar na maionese e aqueles outros que tocava seus corações, sem falar nas curtições, piadas e pegadinhas. Sempre juntos nas resenhas e nas sessões de cinema compartilhando um pacotão de pipoca com refrigerante. Construíram uma parceira com muito respeito, compreensão e confiança.

Já adultos seguem caminhos diferentes na vida profissional, cada qual constrói sua própria familia. A amizade se mantém firme motivando encontros semanais regados a papos repletos de novidades e lembranças, mantendo essa relação em constante conexão e crescimento.

Certo dia, logo pela manhã José passa por uma discussão em casa. Sua rotina segue intensa com um expediente cheio de acontecimentos estressantes. Em um intervalo da tarde ele liga para João e consegue marcar uma programação a noite. No horário combinado encontram-se, rola um abraço fraterno e acolhedor. Iniciam aquela conversa agradável que faz José se sentir bem ao lado daquele com quem viveu histórias comuns.

A conversa dos dois vai transformando o dia pesado de José em momentos de risos e leveza. Até que João questiona porque José não estava bem quando ligou. Surge a oportunidade que José esperava para desabafar, fala da discussão e todos aqueles problemas do dia. João escuta com atenção.

José se sente aliviado, querendo oferecer a mesma oportunidade a João ele questiona:

(José) - E você, como anda a vida?

(João) - Realmente não tenho do que me queixar. Meu relacionamento está indo muito bem, o tempo tem mostrado que encontrei a pessoa certa para uma vida feliz. Acabo de receber uma promoção no trabalho, pelo visto no final do ano conseguirei realizar minha primeira viagem internacional. Pretendo ir conhecer a Europa.

(José) - Que bobeira... Como assim Europa? EUA é o lugar ideal para sua viagem internacional. Lembra o quanto conversávamos sobre a Disney? Sem falar dos cassinos em Vegas.

(João) - Verdade José! sempre trocamos ideia sobre conhecer os EUA, mas nesse momento acredito que o melhor para mim é viajar para a Europa. Fazer passeios românticos por Paris, quem sabe um tour de trem percorrendo Lisboa, Madri e Paris.

(José) - Fala sério! Onde está o sangue aventureiro que lhe estimulava a conhecer o país mais empreendedor do mundo. Lugar que concentra as mentes da inteligência mundial e onde o capitalismo segue se desenvolvendo a todo vapor. (Gargalhadas) Vai me dizer que agora você virou comunista?

(João) - P... Nada haver essa sua pergunta...

(José) - Nada haver essa sua escolha, deixar de conhecer o EUA para fazer uma viagenzinha sem graça para a Europa.

(João) - Caramba! olha que horas já são. Lembrei que combinei de voltar para casa antes das 22:00. Preciso ir, vamos pedir a conta?

(José) – Ok! Garçom a conta por favor.

Na semana seguinte João teve que viajar a trabalho e na outra precisou dedicar atenção em casa e assim foram ocorrendo inúmeras situações que impediam José e João de se reencontrarem.

O tempo passou e hoje sentado em uma poltrona na sala de casa José lembra que já tem mais de dois anos que não vê ou fala com João.

Essa é uma história fictícia que contém elementos que podem ser comuns em uma conversa entre duas ou mais pessoas.

Você sabia que o que falamos ou a forma como nos expressamos tem potencial para aproximar ou afastar as pessoas?

Você sabia que muitas vezes somos violentos em nossa comunicação devido a uma certa dificuldade em expressar o que de fato sentimos ou necessitamos?

Marshall Rosenberg, psicólogo americano e criador da Comunicação Não-Violenta (CNV), oferece uma visão interessante sobre como a maneira que nos expressamos pode impactar significativamente nossas relações. A CNV, uma abordagem baseada na empatia e na compaixão, destaca a importância das palavras que escolhemos e da forma como as comunicamos.

Rosenberg propõe que as palavras têm o poder de criar conexões profundas ou distâncias significativas entre as pessoas. Criamos um ambiente propício para a aproximação de outras pessoas, quando somos autênticos e empáticos. Utilizando uma linguagem acolhedora que reflita compreensão e aceitação, é possível comunicar sentimentos e necessidades de maneira clara, sem julgamentos ou críticas, o que contribui para a construção de relacionamentos saudáveis e enriquecedores.

Por outro lado, quando criticamos, acusamos ou julgamos, o potencial de afastar as pessoas aumenta consideravelmente. Um ponto de atenção nesse processo é a observação do surgimento de sentimentos como raiva, frustração e descontentamento no decorrer de um diálogo. Encarando e refletindo sobre o que motiva tais sentimentos em mim. Dessa forma é possível ter clareza para encontrar soluções construtivas no lugar de agir de forma agressiva. Isso evita a criação de barreiras emocionais e favorece a aproximação, mesmo em situações desafiadoras.

Voltando a nossa estória, se estivéssemos no lugar do José pensando no processo da CNV poderíamos identificar algumas oportunidades para que essa auto observação ocorresse. A primeira seria a de que naquele dia a minha necessidade seria de acolhimento, ou seja, de uma pessoa que apenas me escutasse, tendo consciência que os meus sentimentos latentes são de aborrecimento, irritação e descontentamento. Com clareza de minha necessidade e sentimentos compreendo que esse não é o momento para que exerça o papel do amigo que escuta.

Além disso, a CNV destaca a importância da escuta ativa e da empatia ao receber as palavras dos outros. Quando realmente compreendemos as necessidades e sentimentos expressos por alguém, fortalecemos os laços emocionais e promovemos uma comunicação mais profunda e significativa.

A abordagem de Marshall Rosenberg nos lembra que as palavras são ferramentas poderosas que moldam nossas relações. Ao escolhermos expressar nossos pensamentos e sentimentos de maneira consciente, confiante, aberta e respeitosa, podemos construir pontes que aproximam as pessoas, fortalecendo os laços humanos e promovendo uma comunicação mais saudável e enriquecedora.

Nesse ponto temos uma outra oportunidade vivenciando o papel do José. Já que escolhi não expor para meu amigo que naquele dia necessitava apenas falar e ser ouvido. Considerando que ofereci oportunidade para o João também compartilhar suas percepções e vivências, então optei por estar exercitando a escuta ativa. Nessa situação minha atenção necessitaria estar com foco pleno no que João necessita e senti. Observando minha dificuldade em realizar essa escuta, surgi a segunda oportunidade de estabelecer empatia, comunicando ao João que estou aborrecido e irritado e sem condições de conectar ou mesmo compreender o que ele diz.

A Comunicação Não-Violenta (CNV) aborda a violência na comunicação como resultado da dificuldade em expressar de maneira clara e autêntica o que sentimos e necessitamos. Marshall Rosenberg observa que muitas vezes recorremos à linguagem violenta ou julgadora quando enfrentamos desafios na expressão de nossos sentimentos e necessidades. Essa violência verbal pode criar conflitos, mal-entendidos e distanciamento nas relações interpessoais.

A CNV identifica quatro componentes-chave na comunicação:

Observação: Descrever objetivamente uma situação, sem julgamentos. É a base factual que muitas vezes esquecemos de incluir ao expressar nossos sentimentos.

Sentimento: Expressar emoções genuínas em relação à situação observada. Identificar e comunicar nossos sentimentos de forma clara e direta.

Necessidade: Reconhecer as necessidades subjacentes aos sentimentos. Identificar o que é realmente importante para nós na situação.

Pedido: Formular pedidos claros e específicos, convidando ações concretas que podem atender às nossas necessidades.

Quando enfrentamos dificuldades em expressar nossos sentimentos e necessidades, podemos cair na armadilha da linguagem violenta, como críticas, acusações ou rotulações. Temos a escolha de ao invés de culpar os outros, nos conectar com nossas próprias emoções e necessidades, tornando a comunicação mais autêntica e construtiva.

Por exemplo, ao invés de José dizer " Fala sério! Onde está o sangue aventureiro... Vai me dizer que agora você virou comunista?", que termina sendo uma expressão violenta, podemos aplicar os princípios da CNV e dizer: "Quando ouço você falar sobre viagem a Europa, eu me sinto frustrado e até com certa inveja porque lembro dos nossos planos quando jovens de conhecer o EUA. Vejo que minha necessidade hoje é de ser valorizado e ter paz no trabalho e na minha vida amorosa. Você mudou de ideia em relação a conhecer os EUA?"

Ao abordar a comunicação dessa maneira, seria possível superar barreiras que dificultam a expressão autêntica de sentimentos e necessidades, criando um espaço para a compreensão mútua e a resolução construtiva de conflitos. Nesse aspecto, provavelmente o rumo da conversa entre José e João seria outro e eles seguiriam conectados e alimentado uma amizade longeva.